Saber seguir é tão importante feito saber liderar

Já que estamos falando bastante sobre as lições da música para o nosso dia a dia, acho que aqui temos mais uma: não devemos fazer um culto exagerado à liderança. Saber seguir é tão importante feito saber liderar. Mais do que isso, precisamos saber transitar entre os papéis.

Partindo do começo, penso que esse culto é baseado no estereótipo de que líderes costumam ser pessoas inspiradoras, que estimulam o desenvolvimento da força de trabalho da organização e, muitas vezes, são os únicos responsáveis pelo sucesso e resultado dessas mesmas organizações. E se você não é um líder, o que você vai ser? Um seguidor. O estereótipo de alguém sem ambição ou que não tem aquele “a mais” para ser a pessoa que dita os caminhos.

Eu acho esses dois estereótipos errados. E vou usar essa versão de “Cantaloupe Island”, de Herbie Hancock, para explicar.

Essa é a música de abertura do DVD “One Night with Blue Note”, que registra um show feito em 22 de fevereiro de 1985 para celebrar o relançamento do Blue Note, selo musical especialista em jazz. Todos os músicos que aparecem nesse palco são consagrados. Todos eles, sem exceção. Praticamente um “Jogo das Estrelas” do jazz.

Nessa versão de Cantaloupe Island, temos solos do trompetista Freddie Hubbard, do saxofonista Joe Henderson e do próprio Herbie Hancock no piano, com Ron Carter no contrabaixo e Tony Williams na bateria segurando a banda toda. Mas seria uma execução ruim. Além de serem músicos super treinados, existe uma outra habilidade que essas pessoas têm de sobra: a escuta.

Saber escutar te ajuda a desenvolver a consciência situacional, e ela é super importante no local de trabalho, seja um palco ou um escritório. Os bons músicos de jazz souberam desenvolvê-la porque alternam com muita facilidade entre o papel de líder, o solista, ou de seguidor, acompanhando o solista.

Qual é o resultado disso? Senso de pertencimento no grupo, o que significa boa música. Ou um bom projeto. Ao alternar papéis, os músicos sabem como desempenhá-los melhor. Se você está solando, você está liderando, dando a intenção e a direção, porém atento à estrutura da música, ao que os outros músicos estão fazendo e que podem servir de inspiração para o seu solo. Quando você está acompanhando, você está garantindo o espaço para o solista ficar confortável para expressar suas ideias, ao mesmo tempo que você pode dar suporte caso alguma coisa não saia como esperado. Sem julgamentos, sem pressão. Somente com escuta.

Existem evidências científicas de que a inteligência coletiva de um grupo não é medida pela soma da inteligência individual de seus membros, mas sim pela empatia, escuta ativa, pela troca constante de liderança e pela quantidade de mulheres na organização.

A aprendizagem ágil pode ajudar em parte da criação de ambientes que promovam essa mentalidade: núcleos com discussões mais diversas, troca de experiências, pertencimento e liderança situacional. Mas é importante também recompensar as pessoas que ajudam as outras a terem sucesso, ao invés de celebrarmos somente as realizações individuais.

Repertório funciona pros músicos e pode funcionar pra gente também

Sempre gostei de entender diferentes processos de construção das coisas. Mais do que o produto final, fico interessado na criação e nos desafios para se chegar até ali. E dentro dos meus interesses, fico de olho nesse processo dentro da música, especialmente agora que estamos desenhando a segunda edição do webinar “Navegando no mundo complexo: improviso para não músicos“.

Por isso, achei legal comentar essa iniciativa do Drumeo, um dos canais sobre bateria mais populares do Youtube, de colocar os bateristas convidados para tocarem uma música depois de, em tese, ouví-la uma única vez. Aqui embaixo coloquei o vídeo do Larnell Lewis, baterista do Snarky Puppy, mas compartilho também os links do Rashid Williams (John Legend) e Gil Sharone (independente).

(Se você acompanha nosso blog há mais tempo, vai se lembrar do Larnell Lewis. Falamos dele nesse post sobre colaboração.)

Sobre o vídeo, vamos tirar da equação o fato do título em si ser um caça-cliques. Todos os músicos escutam a canção mais de uma vez, mas tomam rumos diferentes para memorizar as partes. E a audição e esses rumos trazem aprendizados interessantes para o nosso dia a dia.

O primeiro ponto é a escuta ativa durante a primeira vez que a música é tocada. Todos os três músicos enfatizam essa parte, porque ela permite entender o contexto e ajuda a responder algumas perguntas:  qual é o estilo da música? O que os outros músicos e instrumentos estão fazendo? Qual é o meu papel na canção e o que posso fazer para melhorá-la? Se pensarmos, são perguntas que aparecem em uma reunião de briefing para um projeto de aprendizagem, por exemplo.

Ter a consciência situacional te permite pensar na abordagem para resolver o problema. Os músicos fazem um mapa da música, seja mental ou no papel, e buscam soluções no repertório construído por cada um. Quais partes se repetem, quais partes são únicas? Será que eles já tocaram ou ouviram algo parecido antes e que seja possível incorporar naquela execução? Quais são as regras fundamentais daquele estilo de música e quais delas podem ser quebradas?

O terceiro passo é fazer uma primeira execução da música, no melhor espírito ágil. Eles testam as ideias, veem o que funcionou e o que pode ser melhorado para uma próxima vez. Finalmente, fazem o ajuste fino para o que seria a “versão final”: quais detalhes podem ser realçados, como aquela experiência pode ser ainda melhor.

Tudo isso é baseado no repertório construído com muita prática. Nesses três exemplos, tudo fica mais fácil porque Larnell, Rashid e Gil estão expostos à música o tempo inteiro, seja estudando o instrumento, ouvindo música e gravando sozinhos ou com outros músicos. Ter essa mentalidade de crescimento e buscar mais referências e experiências facilitou o trabalho dessas pessoas no dia a dia.

Certamente pode facilitar a nossa também.

Clark Tibbs on unsplash
Clark Tibbs on unsplash

A aprendizagem ágil nas organizações

Vou abrir esse texto com duas verdades:

1) Trabalhar significa também aprender habilidades que irão te ajudar a executar sua função e desenvolver sua carreira;
2) Esse aprendizado não é feito da melhor maneira há muito tempo.

Por mais que “engajamento” e “fora da caixa” sejam pedidos comuns que ouvimos em reuniões de briefing, o fato é que é complicado achar projetos de aprendizagem corporativa que realmente cumpram esses objetivos. Na maioria das vezes, as pessoas fazem por obrigação, não por necessidade. Já abordamos esse segundo ponto e suas razões muitas vezes e sob diversos olhares: Há um circulo vicioso no treinamento e aprendizagem, existe uma dissonância sobre a função da tecnologia, queremos resolver com treinamento as coisas que não precisam ser resolvidas com treinamento. E existe uma ironia nisso tudo: segundo essa pesquisa de 2019 feita pela Randstad, dois terços das pessoas buscam oportunidades de desenvolvimento independentemente da organização e há um senso de valorização das organizações que apoiam esse desejo de desenvolvimento.

Por mais que as organizações se desdobrem para oferecer conteúdos, muitas vezes a aprendizagem que realmente importa acontece de maneira informal: um bate-papo entre colegas, um pedido de ajuda, uma pesquisa na internet. Por isso, para um novo cenário, são necessárias novas ferramentas, habilidades e papéis.

O papel da aprendizagem ágil

Em seu último texto, o Marcos Arthur falou com a habilidade que lhe é peculiar sobre a aprendizagem no futuro. A leitura é super recomendada, porque fala também dos pilares da aprendizagem ágil: Autodireção, Cultura Intencional e Ferramentas de Gerenciamento Ágil. Esses pilares compõem o que acreditamos ser um projeto de aprendizagem moderno.

A aprendizagem ágil nas organizações trabalha sobre os mesmos pilares. Dá autonomia para que as pessoas escolham o melhor caminho para aprenderem as habilidades necessárias para o dia a dia: seja um caminho formal ou informal, seguindo suas paixões e interesses. Além disso, cria-se uma cultura intencional, porque essas pessoas estão sendo ouvidas e criam um ambiente mais comunicativo e de confiança, baseado nos pontos fortes e fracos de cada um. As ferramentas ágeis dão suporte para o processo, com claridade do propósito e fácil integração de novos elementos.

Essa nova abordagem exige uma mudança de posicionamento do RH, T&D e a própria gestão das outras áreas. As duas primeiras vão ter uma função mais consultiva, oferecendo também orientação e curadoria para as pessoas. Os demais gestores precisam identificar e estimular as oportunidades de aprendizagem dentro dos seus times. É uma mudança de cultura e isso exige tempo, esforço e vontade. Mas é a saída para uma aprendizagem mais eficiente e com mais sentido.

Gostaríamos de saber quais são as dificuldades nos projetos de aprendizagem na sua organização e quais as saídas você enxerga para os processos.

Conta pra gente!

Silhuetas de pessoas caminhando em espaço azul futurista.
Photo by Robynne Hu on Unsplash

Como será a aprendizagem no futuro? (Parte 1 de N)

Nos últimos tempos, ouvimos com frequência alguém falar sobre o futuro do trabalho ou sobre as competências necessárias para manter uma ocupação nos próximos anos, isto é, as habilidades para o futuro (1), já que os empregos como os conhecemos tendem a desaparecer. Nós mesmos vimos tratando desses temas de forma recorrente aqui na 42formas, seja por meio de vídeos, posts, papos com cerveja ou oficinas/workshops.

Partindo dessa inquietação, passei a me perguntar com mais frequência como será a aprendizagem no futuro e intensifiquei meus estudos a respeito do tema, procurando alternativas aos modelos tradicionais e à visão da tecnologia como panaceia da educação. Iniciei uma série de diálogos, encontros, cafés, leituras e participações em eventos de toda sorte na busca por uma luz e comecei o ano cedo, bem antes do Carnaval.

Uma das paradas que fiz nessa jornada (2) foi uma imersão em aprendizagem ágil, promovida pelo ALC São Paulo na Fazenda Furquilha, um lugar incrível que fica nos arredores de Monte Alegre do Sul (SP) e próximo de Amparo (também SP). A experiência foi tão impactante que logo em seguida entrei para a Organização e passei a fazer parte da rede internacional (ALC Network).

GIF com participantes da Imersão na Fazenda Furquilha em frente a uma árvore ao final do evento.

Imersão em aprendizagem ágil na Fazenda Furquilha

O que é um ALC

Um ALC – Agile Learning Center (Centro de Aprendizagem Ágil) – é uma organização cujo propósito reside em restaurar a alegria de aprender por meio de três pilares:

  • Autodireção – humanos aprendem naturalmente e, ao seguir suas paixões, o engajamento é imediato e profundo, proporcionando processos de aprendizagem mais eficientes, com resultados mais eficazes. Assim, é possível aprender em semanas o que levaria anos.
  • Cultura Intencional – as pessoas sentem que são ouvidas e criam real senso de pertencimento, fazem real diferença; como criaturas sociais, prosperam em um ambiente que constrói confiança, aprimora habilidades de comunicação e as estimula a trazerem a melhor versão de si.
  • Ferramentas de Gerenciamento Ágil – o uso de ferramentas práticas e concretas torna possível o atingimento desses ideais de forma real e confiável. Essas ferramentas proporcionam feedback visível, autogerenciamento efetivo, claridade de propósito e fácil integração de novos elementos conforme a necessidade.

O primeiro ALC foi criado em 2013, na cidade de Nova Iorque e, hoje, a proposta já se espalha por mais de 50 iniciativas em todo o mundo.

 

O ALC São Paulo

Pioneira no Brasil, a organização paulistana foi fundada em 2018 e já promoveu vários eventos pelo Brasil que vão desde bate-papos on-line até workshops e imersões para disseminar a cultura da aprendizagem ágil e plantar a semente da autodireção, valorizando o potencial humano de crescimento e desenvolvimento independente da educação formal.

 

O que isso tem a ver com a aprendizagem no futuro

Imagine-se sem as amarras tradicionais do dia a dia de trabalho, em um ambiente agradável e cercado por pessoas que inspiram real confiança. Cada uma delas é dotada de conhecimentos interessantes diversos e está disposta a compartilhá-los, sem medo de errar. Melhor ainda, elas celebram o erro como parte fundamental do processo de aprendizagem. Captou?

Isso é mais ou menos o que aconteceu durante a imersão. Usando as ferramentas ágeis do ALC, os participantes podiam fazer pedidos e ofertas que alimentavam uma espécie de rede de aprendizagem informal levando em conta não somente as habituais questões intelectuais, mas também afetivas, espirituais e corporais, isto é, respeitando a integralidade humana. Para alguns, ainda muito apegados ao modelo tradicional, isso pode soar estranho, mas a verdade é que não há aprendizado real sem conexões emocionais – se você tem dúvidas a respeito disso, faça o teste que proponho ao final.

Participantes da Imersão em um grande salão montando a agenda de atividades.

Imersão: montagem de agenda

Para falar um pouco sobre tecnologia (aquela panaceia, lembra?): claro que ela foi utilizada. Tínhamos flip charts, canetões, folhas de sulfite, post-its e canetinhas de cores variadas; mas nada de AR ou VR, sequer telões e projetores. Apenas confiança, engajamento e celebração do erro, o que se traduziu em senso de comunidade suportado por outro tipo de recurso: a tecnologia social.

Não estou propondo prescindir de outros tipos de tecnologias. Quando disponíveis, elas podem ser de grande valia para a aprendizagem, ágil ou não. Apenas vale refletir: quando e quanto estão disponíveis? Quando e quanto são realmente necessárias?

Pensando na aprendizagem no futuro, é fácil imaginar que teremos máquinas capazes de nos transmitir conhecimentos durante o sono – e pode ser que tenhamos. Porém, em um mundo cujos recursos tecnológicos materiais de ponta não estejam disponíveis para todos, o que fazer? E, ainda que estejam, serão capazes de substituir o nosso ser social, as nossas paixões, a nossa naturalidade e a nossa vontade de aprender aquilo que realmente nos interessa?

Neste ponto da jornada, estou convencido de que, no futuro, a aprendizagem será mais ágil e mais conectada, não por meio de fios e aparelhos, mas por meio de pessoas e compartilhamentos. A tecnologia estará lá, é claro, mas apenas servindo à camada anterior, como recursos facilitadores, não como soluções (3). Donde concluo que os elementos para a aprendizagem no futuro já estão no presente há bastante tempo, só falta compreendermos sua essência e resgatar a aprendizagem como um processo natural, social e apaixonante. Obrigado, Isabella Bertelli, Juliana Machado e Suzana Verri, pelo vislumbre.

E você, como enxerga a aprendizagem no futuro?

Num próximo texto, falarei sobre como a autogestão pode influenciar tudo isso.

Notas

(1) Tem sido comum as pessoas falarem de competências ou habilidades “do” futuro para se referirem àquelas que serão necessárias no enfrentamento dos próximos estágios do mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo). Nós, da 42formas, preferimos usar “para o” futuro, entendendo que essas habilidades já existem há tempos, ainda que precisem receber atenção especial daqueles que aprendem e daqueles que trabalham pela aprendizagem.

(2) Este texto inaugura uma série de relatos dessa jornada de tempo indeterminado na busca por uma aprendizagem com real significado para as pessoas de hoje e de amanhã.

(3) É frequente o uso da expressão soluções de aprendizagem para referência a recursos tecnológicos que, em tese, resolvem problemas nesse campo. Eu mesmo já a utilizei várias vezes, em diferentes contextos. Depois de muito refletir, cheguei à conclusão que a aprendizagem, em si, é um processo essencialmente humano e, nesse sentido, a tecnologia serviria mais ao propósito do acesso, o que de forma alguma diminui sua importância.

Teste: aprender exige uma conexão emocional?

É comum acreditarmos que a aprendizagem passa exclusivamente pela nossa capacidade de racionalizar processos. Porém, a psicologia cognitiva (Piaget, VygotskI) e a neurociência há muito já falam sobre como a emoção é fundamental no processo de retenção da informação. Por meio deste teste simples, você pode tirar suas próprias conclusões. Vamos lá?

  1. Selecione dois temas, um sobre o qual você tem amplo interesse (seja qual for a razão) e outro sobre o qual você não tem.
  2. Sobre o primeiro tema, tente estudar algo que você não sabe a respeito; sobre o segundo, tente estudar qualquer coisa. Você pode ler textos, assistir a vídeos, ouvir podcasts… Faça como se sentir mais confortável, apenas procure usar o mesmo tipo de recurso para ambos os temas, para não influenciar diferentes sentidos.
  3. Depois de uma semana, tente se recordar o máximo do que leu, viu ou ouviu sobre cada um dos temas. Se quiser, faça anotações, para ter um feedback visual.
  4. Compare as informações e avalie os resultados. Tente identificar por que você se recorda dessa ou daquela informação.

Claro que esse teste é bastante raso e provavelmente não vai levar você a nenhum “eureka” (se levar, ótimo!), mas vai pelo menos trazer uma noção do aprendizado gerado pelo engajamento (fator inevitavelmente emocional) e dar uma ideia do potencial da aprendizagem autodirigida.

Que tal começar agora esse teste de autoconhecimento? Vá em frente e volte para comentar seus resultados com a gente!

Você também encontra a 42formas nas redes sociais:

Se preferir, comente por lá! 🙂

Leia também:

Como será a aprendizagem no futuro? (Parte 2 de N)

Existo, logo aprendo – Parte 1: Educação X Aprendizagem

QUEBEC, CANADA - 1st SEPTEMBER: Drummer Neil Peart from Canadian progressive rock band Rush recording their album 'Permanent Waves' at Le Studio, Morin Heights, Quebec, Canada in October 1979. (Photo by Fin Costello/Redferns)
QUEBEC, CANADA - 1st SEPTEMBER: Drummer Neil Peart from Canadian progressive rock band Rush recording their album 'Permanent Waves' at Le Studio, Morin Heights, Quebec, Canada in October 1979. (Photo by Fin Costello/Redferns)

Neil Peart sabia o que era aprender pra vida toda

Nota: Escrevi este texto para o meu blog pessoal. Achei que valeria a pena compartilhar aqui também.

Janeiro nos surpreendeu com a notícia da morte do Neil Peart, baterista do Rush, aos 67 anos. Pegou muita gente de surpresa, porque ninguém (ou poucas pessoas) sabia(m) que ele lutava contra um glioblastoma, um agressivo câncer no cérebro.

Peart foi ídolo e mentor de toda uma geração de músicos, em maior e menor escala. Todos nós tentamos tocar “YYZ” em algum momento da vida, mesmo que mal e porcamente. Para o público em geral, Neil Peart era o baterista com o instrumento gigante e o “Tom Sawyer” era a música da abertura de MacGyver. Essa foi a primeira vez que escutei Rush, inclusive.

E na história de vida de Neil Peart, além da força para encarar a morte da primeira filha e da primeira esposa, existe um outro ponto que me chamou atenção: a capacidade de se reinventar também como músico. Ele sabia da importância de aprender durante toda a vida.

Em 1992, Peart foi chamado para acompanhar a Buddy Rich Big Band em um show em homenagem ao lendário baterista de jazz que dava nome ao conjunto. Ele topou, porém se deparou com dois problemas: o pouco tempo de ensaio e a percepção que ele tinha aprendido um arranjo diferente do tocado pelo resto da banda. “Eu cheguei no que seria o primeiro solo de bateria só pra perceber que a banda continuava tocando”, ele escreveu certa vez.

Obviamente, a performance não foi lá essas coisas e mesmo em 1994, em uma gravação em estúdio -são condições mais controladas – Peart achava que estava “imitando” alguém e não tocando propriamente o estilo. Como diz o Duke Ellington, “it don’t mean a thing, if it ain’t got that swing“, ou na minha tradução livre, “não significa nada, se você não tem a levada”. 😉

O fato é que para isso não acontecer de novo, Neil Peart decidiu estudar. Um dos bateristas mais técnicos e precisos do mundo, aclamado dezenas de vezes como o melhor de todos os tempos, decidiu começar de novo. Criar novas regras, ter outras ferramentas. Primeiro com Fredie Grubner, lendário baterista e professor de jazz, e depois com Peter Erskine, outro mestre do jazz-fusion.

Neil Peart e Peter Erskine

Quando eu estacionei em frente à casa do Peter e entrei com as baquetas na mão, tive que rir de mim mesmo. Eu era aquele estudante de 13 anos novamente (…) e é claro que eu deveria me sentir assim. Não há sentido em ter aulas se não for para se render ao professor.

É um longo relato, incrível e de uma relação completamente honesta entre mestre e aprendiz, os dois sendo super capazes no que fazem. Neil Peart pegou os aprendizados do jazz e transpôs para a sua música. Recriou sua técnica, redefiniu seu senso de tempo, ganhou um estilo de tocar mais fluido. É preciso muita humildade pra desconstruir – ou seria reconstruir? – o que foi construído, mas as recompensas costumam valer o esforço.

 

“O que é um mestre se não um estudante-mestre? Existe uma responsabilidade em nós de continuar melhorando” – Neil Peart.

 

Sobre referências e manter a nossa cabeça aberta

Estava na labuta em algum dia de dezembro, quando pinga uma mensagem do Diego Mancini no WhatsApp:

“meu velho, pelamor, me diz que você viu isso”. Era o link para o show do Vulfpeck no Madison Square Garden. Pra quem não conhece, o Vulfpeck é uma das melhores bandas de funk (?) da atualidade e esse vídeo é uma prova disso (e que talvez valha como trilha pra sua leitura desse post).

 

Pois bem, uma coisa leva à outra e começamos a conversar sobre essa entrevista recente dada pelo Joe Dart, baixista da banda, especialmente essa pergunta:

Você toca super parecido com o Rocco Prestia (baixista icônico do Tower of Power).

Um dos meus heróis. Quando eu lembro da época de quando comecei a tocar baixo, eu podia ter aprendido usando um dedo, dois dedos, três dedos ou uma palheta. Mas aconteceu do meu primeiro professor ser um baixista que usava dois dedos. O lado ruim disso é que eu não tenho a destreza com três dedos. Eu também não aprendi o slap no estilo do Victor Wooten, eu aprendi no estilo do Flea. Mas o jeito de tocar do Rocco realmente me tocou.

Já emendo com a sabedoria do Diego:

“Isso que ele falou é muito doido. Como o seu professor define o tipo de músico que você vira no futuro. Quando a gente começa, precisamos nos espelhar em algo, no caso, o nosso professor. É muito difícil sair das coisas que você aprendeu na primeira vez que abordou o instrumento. Vejo isso com o baixo. Eu comecei tocando violão, por isso a minha técnica de mão direita é mista (polegar, indicador, médio). Se eu tivesse começado no baixo direto, provavelmente seria técnica de dois dedos. Mas isso virou parte do meu estilo”.

Esse exemplo é universal. Durante a conversa, me peguei pensando nas primeiras vezes que fiz uma atividade. A gente sempre tem uma primeira referência, seja ela consciente ou não. Pode ser a primeira vez que você pensou naquela atividade, pode ser o seu primeiro professor, pode ser um misto dos dois. Lá pros idos de 1996, 1997, eu aprendi HTML sozinho. Mas só em 2001, no meu primeiro trabalho na finada agência Lazo, foi quando realmente me desenvolvi aprendendo com e sendo orientado por pessoas tipo o Fernando Norte e o Matheus Costa. (Talvez tenha sido a minha primeira experiência de aprendizagem social e “cultura de aprendizagem”, vejam só.)

Na bateria, sempre quis “fazer a banda andar”, sem aparecer muito. Uma abordagem rudimentar para o famoso groove. Pode ter sido o meu primeiro contato com a música e a bateria, como disse o Diego. Minhas aulas de bateria com o Glaydson e depois com o Arthur me ajudaram a achar mais técnica do que mudar a minha voz no instrumento. Ainda assim, me espelhei no Arthur para mudar a forma como montava a bateria e fiquei assim por muitos anos.

Existe uma forma de cortar essa amarra?

Independente de qual tenha sido sua primeira referência, manter a cabeça aberta é um desafio real. Porque se a forma como você exerce aquela função faz sentido e funciona, fica desconfortável buscar outros caminhos. Dentro da música, passei por esse desconforto na tal forma como montava meu kit. Agora, navego nesse desconforto tocando jazz. Para o Diego, a evolução musical é, de certa forma, a luta contra as amarras da primeira aula. “Você se tornar um músico completo significa aceitar ser desconfortável e depois conseguir transitar pelo desconforto e aí você pode escolher”.

O Herbie Hancock disse uma vez que “gosta de descobrir novas regras para que possa quebrá-las”. Essa frase vale para qualquer profissão: da música à osteopatia, passando pela arquitetura, engenharia, dança, jornalismo. É super importante se municiar da maior quantidade de informação que você conseguir. Pesquisar, estudar, experimentar, conversar com pessoas relevantes na sua área – famosas ou não -, buscar referências em outras áreas, ter a capacidade de criar conexões, buscar inspiração naquelas pessoas que você gosta e achar sua própria voz.

E quanto mais informação e recursos, melhor. O Diego gosta de fazer essa analogia com ferramentas. “Aquela velha da caixa de ferramenta que só tem uma chave de fenda, saca? Se você só trabalha apertando parafuso Philips tamanho 8, só precisa daquela ferramenta. Mas, vai que alguém te pede uma chave de fenda tamanho 12? Por isso, eu tento mostrar para o meu aluno como um determinado conceito é importante pra um monte de outras coisas, mesmo se nunca for usar aquilo ao vivo.”

Essa analogia é ótima porque confronta a ideia de que devemos “desaprender” as coisas erradas. Isso não existe. “Desaprender” é não saber que aquilo existe, o que te possibilita aprender de novo. Na verdade, precisamos saber as coisas erradas para não utilizá-las. E isso, de novo, remete à necessidade de mantermos a cabeça aberta. Não é fácil, mas é uma prática. E como diz o Victor Wooten (outro baixista que adoro), “praticar é uma forma detalhada de nos convencermos de que podemos fazer isso“.

Obrigado pela conversa, Diego!

Storylearning | Aprendendo no Instagram

Você sabe identificar um bom objetivo de aprendizagem? E o quanto ele é importante tanto para quem ensina quanto para quem aprende?

Foi pensando nisso que a gente escolheu este tema – objetivos de aprendizagem – para o primeiro microlearning publicado nos Stories da 42formas.

A proposta é que você, em aproximadamente três minutos, aprenda a avaliar um objetivo de aprendizagem.

E isso vai ajudar você, que aprende, a escolher um bom curso, uma boa oficina, ou você, que ensina, a construir um objetivo atraente e eficaz para a sua aula.

O conteúdo é totalmente gratuito e a gente fica muito feliz em receber o seu feedback. Acessa lá! Ah, e se gostar, compartilhe, claro.

http://www.instagram.com/42formas

 

Quando o processo de aprendizagem faz sentido

Esse vai ser um post diferente, porque vou trazer uma reflexão baseada em uma experiência pessoal.

Aproveitei o começo de 2019 e o começo de 2020 para mais uma incursão na marcenaria. Em 2018, escrevi algumas linhas sobre a primeira experiência aqui no blog da 42formas. Falei no meu blog sobre a segunda experiência, também no ano passado. Desta feita, a experiência foi sem nenhum tipo de assistência. Usei a oficina do meu tio e umas chapas de ipê e perobas que um dia foram seu piso para fazer uma bandeja e uma tábua.

O resultado foi ok, digo de um 6,5. Tive vários erros e percalços no caminho e um mar de distância entre a expectativa e a realidade, especialmente no projeto da tábua, que foi um tremendo teste de paciência.

No entanto, foi legal ter mais controle sobre o processo, mais familiaridade com as ferramentas e mais recursos e paciência para achar soluções para as coisas. E quero falar mais sobre esse último ponto.

O produto final

Eu cometi dois erros grosseiros, um na bandeja e outro na tábua. O da bandeja foi uma medida e um corte errado na largura. Já a tábua foi uma sucessão de pequenos percalços que resultaram em uma montagem irregular, horas no desengrosso e cortes não planejados. Em uma dessas passagens no desengrosso, uma das bordas se soltou e foi totalmente destruída.  E enquanto corrigia os erros, pensei na pergunta:

Por que sou mais tolerante com meus erros na marcenaria?

Essa pergunta pode ter uma resposta óbvia, algo como “é seu hobby”, mas não acho que é isso. Não ser uma atividade profissional ajuda muito, claro. Mas existe um outro ponto muito importante: na marcenaria, o erro é entendido como parte do processo, quase como um caminho para o produto final e isso te faz seguir em frente. Ele te dá a oportunidade pra rever os passos e testar novas soluções. Não é uma abordagem comum, afinal, na maioria das atividades o erro é geralmente visto como um desvio de padrão, uma perda de tempo.

Não estou dizendo que você ganha tempo errando na marcenaria, mas ele acelera a sua curva de aprendizagem, especialmente para quem está no começo dela. Qualquer momento dentro de uma oficina é uma nova descoberta: trabalhar com madeiras novas ou tentar construir coisas diferentes.

 

Além disso, é um ambiente onde aprendo 70% do tempo fazendo e 20% do tempo trocando com pessoas mais experientes: no meu caso, meus dois tios, um de cada lado da família. Cada um tem uma oficina, o Ângelo em Cunha/SP, o João em Itabirito/MG. São duas abordagens, experiências e tutorias diferentes.

Dentro de uma oficina, você precisa estar ali de corpo e alma, porque um descuido pode significar uma lesão grave. O foco é algo tão complicado nos dias atuais, que ter essa oportunidade também te mostra o valor do tempo e do esforço em cada momento ali dentro.

Pra fechar, seria ótimo se a gente conseguisse transpor esse “carinho” pelo erro e a valorização do processo de aprendizagem para as outras áreas da nossa vida. Isso não acontece por uma série de razões: cobrança, afirmação, não ver sentido na aprendizagem. Ressignificar a forma como vemos esse processo também vai ajudar a ressignificar nosso trabalho, nossas entregas e nosso propósito.

Eu tento fazer isso uma bandeja de cada vez.

O que fazer com as diferentes agendas e culturas nas organizações?

Pelo segundo ano consecutivo, fui Mestre de Cerimônias do Roadsec São Paulo. Se você não conhece o evento, eu te explico: o Roadsec é a maior conferência de tecnologia, hacker e de segurança da informação do continente. São eventos itinerantes no Brasil, com a edição de encerramento do ano em São Paulo. Vários palcos simultâneos, oficinas, atividades e shows bacanas no final.

Eu brinco dizendo que sou “o cara de humanas na conferência de tecnologia”. Entendo mais ou menos o que está sendo dito em parte das palestras e tento aprender o máximo que consigo, não só com os conteúdos, mas com todo o festival. Um evento que é feito por gente apaixonada pelo tema, um envolvimento fora do comum da comunidade, realmente um ambiente de construção coletiva. Espero um dia poder criar um evento para a área de educação e aprendizagem que seja relevante feito o Roadsec.

Esse ano, fiquei responsável pelo palco Gerald Lawson e, dentre os vários conteúdos bacanas apresentados, três me chamaram atenção. Um pela inovação e criatividade e dois por abordarem a questão da cultura e agenda das organizações, em diferentes aspectos.

Sobre inovação e criatividade, fiquei de boca aberta com a palestra do Lucas Lima , engenheiro mecânico de 24 anos e fundador da Infill, uma fábrica de impressoras 3D instalada no Complexo do Alemão. Usando peças achadas em ferros-velhos, arduíno e um software livre, ele consegue montar uma impressora por 700 reais, em uma tecnologia 100% made in favela. Outro objetivo do Lucas é ensinar a tecnologia para crianças e jovens do alemão. É daqueles projetos que enchem os olhos pelo propósito e pela inovação. Além disso, fiquei impressionado com sua facilidade para simplificar as explicações complexas.

Recomendo ler essa matéria e essa outra matéria sobre o trabalho do Lucas.

Sobre a cultura organizacional, achei interessante acompanhar as palestras do Felipe Luz e do André Antunes. O Felipe falou sobre as questões da privacidade e as novas oportunidades geradas para negócios e carreiras. Trabalhando com aprendizagem corporativa, vejo superficialmente como a Lei Geral de Proteção de Dados ainda é um território nebuloso e como somos descuidados com dados que deixamos pra trás. Enquanto pessoas físicas ou jurídicas, de maneira geral, ainda não entendemos como lidar com dados. O André abordou o walk the talk em segurança da informação e como muitas vezes, o que é falado não é praticado, o popular “casa de ferreiro, espeto de pau”.

Conversando com os dois palestrantes antes de subirem ao palco, percebemos como é uma questão de cultura organizacional. Obviamente, lembrei de alguns pontos da palestra do Sunil Mundra, especialmente as dissonâncias entre a área de negócios e as outras áreas da organização. Ou não praticamos o que vendemos ou temos dificuldade em entender as mudanças e tomar ações frente à elas.

Outro grande desafio é encaixar a mudança ou implementação das diversas culturas na agenda das organizações. É meio inocente afirmar isso, mas esquecemos que as empresas são sistemas complexos, com diversos interesses e culturas andando ao mesmo tempo. Da mesma forma que o RH precisa mudar a cultura da aprendizagem e da diversidade, por exemplo, a área de segurança precisa tratar da sua, assim como privacidade ou inovação.

Já adianto que esse é apenas o começo da nossa conversa sobre isso. Em sistemas complexos, não podemos pensar em ações isoladas, dentro de setores ou áreas. Por isso, imagino que a implementação da(s) cultura(s) desejada(s) passe por entender a urgência, envolver todas as áreas da empresa, e buscar apoio e recursos em outras áreas. Apesar das próprias agendas e urgências, RH e Comunicação são duas áreas que precisam ser envolvidas e que podem oferecer soluções e caminhos possíveis. E claro, essas discussões precisam envolver as altas hierarquias das empresas.

Contem pra gente quais são as dificuldades que vocês enxergam na implementação de culturas e mudanças na sua organização. Vamos falar mais sobre isso nos próximos dias.